What happens at 11 o’clock?

Eu conheci Fiona quando ela tinha apenas quatorze anos e eu, vinte. Ela era nova demais para que eu flertasse com ela, mas conversávamos sobre poesia e autores brasileiros, até que ela se enfezou com algum comentário meu sobre literatura e simplesmente deixou de responder um e-mail que havia lhe enviado. Paciência. Três anos depois, folheando minha agenda, encontrei seu telefone por acaso. Não sei porque resolvi ligar, e apesar do número antigo estar desligado, a companhia telefônica me informou do número novo. Quando liguei, ela ainda se lembrava de mim. Agora já estava com dezessete anos, e combinamos que eu ligaria novamente quando voltasse da viagem. Isso foi alguns dias antes de partir para o sul com Moura e Cristina. Então esqueci o assunto e retomei-o apenas alguns dias depois do retorno. Conversamos bastante nos dias seguintes, e perguntei se ela queria ver o novo filme do Almodóvar. Ela era uma grande fã do espanhol e eu do bom cinema como um todo. Eu não tinha ideia se seria um encontro e a principio sempre assumia que não. Afinal, eu estava longe de ser um modelo de beleza.

Três dias antes do meu encontro, Moura e Cristina apareceram de carro na minha casa. Era imprescindível que eu me arrumasse naquele momento porque iríamos sair naquele dia, então vesti uma roupa e desci até o carro onde me esperavam. Mas eles não estavam sozinhos dessa vez. Havia uma garota no carro com eles, e era um encontro às escuras, uma jogada que eu certamente faria com outros se tivesse a oportunidade, porque há de surpreendermos em uma noite enfadonha. De péssimo, apenas o timing. Me preocupava a ideia de que Fiona pudesse estar encarando nossa saída no final de semana seguinte como um verdadeiro encontro, então seria de má atitude encontrar-me com outra tão pouco antes, mas já dentro do carro em movimento havia pouco que eu pudesse fazer. Apenas, talvez, não fazer nada. Porque se eu nada fizesse não seria um encontro, de forma que tudo estaria nos conformes. E como não fazer nada ao conhecer uma garota pela primeira vez era meu modus operandi, bastava reconfortar-me no no banco do boteco e aproveitar a noite. Sem problemas. Faltou apenas combinar com os russos.

Luana era uma ótima pessoa e a noite correu agradável. Bebemos e conversamos e rimos e ao raiar do dia fomos os quatro até uma padaria para tomar um sorvete de saideira, e ela estava gripada e teve uma crise de espirros, então se apoquentou para junto do meu corpo e perguntou com uma voz suave se eu queria pegar um pouco da sua gripe, e quem teria dito não a uma pergunta dessas? Então eu certamente balancei a cabeça em afirmativo ou algo do tipo e foi ela que me deu um beijo porque devia ter pensado que eu estava tímido ou não sabia como dar em cima de uma garota, e nisso teria razão mas também tinha o fator Fiona que é claro que eu não disse nada, no que resultou que terminamos a noite na praia como um casal e eu já na minha cabeça sem saber o que fazer do próximo encontro, então combinaram eles de sairmos todos no dia seguinte e eu disse que tudo bem, e no dia seguinte nos agarramos de novo e dessa vez quase fomos para a cama, e nesse plot twist a ideia passou a ser não tentar absolutamente nada com Fiona naquele fim de semana, porque se havia uma coisa que eu não saberia fazer seria um jogo duplo, por mais inocente que fosse. Iríamos ao cinema como dois bons amigos. E novamente faltou apenas combinar com russos.

No dia combinado, eu fui buscar Fiona em sua casa com meu Mercedes de quarenta e oito lugares para pessoas sentadas e mais outras tantas que couberem de pé, e ela sabia que eu tinha uma queda especial por mulheres de macacão e resolveu logo ir de macacão, e ela era uma loira linda de um nariz um tanto avantajado e uma cara rosada porque ela sofria de rosácea que nela dava um tom. E é claro que eu não disse nada sobre os dias anteriores, porque a ideia era apenas ir ver um filme como bons amigos, até porque minha baixo auto-estima jogava com a ínfima probabilidade de que depois de anos me dando mal com mulheres, duas lindas e ótimas garotas se interessariam por mim em uma questão de dias. Quais seriam as chances? No primeiro cinema fomos barrados porque o filme era para maior de dezoito anos e Fiona só tinha dezessete, então eu devo ter zoado bastante com a cara dela porque ela era muito mais madura do que a maioria dos adultos ali presentes mas ainda assim não podia ver um filme no cinema, então resolvemos ir para um outro cinema onde eu argumentei com o bilheteiro e conseguimos entrar e ver o filme do Almodóvar. Nenhum problema até então. Mas dentro do cinema ela segurou minha mão e encostou a cabeça no meu ombro e eu fiquei sem saber o que fazer, porque ela claro que ela estava esperando que eu tomasse alguma atitude em relação a isso e eu simplesmente não fiz nada. E eu achei que ela tinha desistido. Mas que nada.

Foi no ônibus de volta que ela simplesmente me deu um beijo, assim, do nada, porque também deve ter pensando que eu era tímido ou tapado demais para tomar uma atitude, e dessa vez não havia nem tanta verdade nisso, porque eu estava conscientemente tentando evitar que acontecesse, mas depois que ela me deu o beijo não havia muito mais que eu pudesse fazer além de permanecer como um casal até o fim da viagem, já combinando quando seria nosso próximo encontro.

Veja, Ben, eu sempre tive medo de ferir os sentimento das pessoas. Ainda levaria um tempo até eu perceber que é impossível passar pela vida incólume, que sempre vamos magoar os sentimentos de alguém, que o mundo dos outros não está sob o nosso controle. Há muitas boas pessoas com boas intenções por aí, mas não há ditado mais certeiro do que aquele que diz que as boas intenções lotaram o inferno. Eu passei as próximas horas com Fiona em um misto de euforia e agonia. Euforia porque ela era, racionalmente, a pessoa perfeita para mim. Ela era bonita, inteligente, culta, queria ter uma prole imensa e era o tipo de garota que apanhava o lixo dos outros no chão para jogar na lixeira. Ia fazer medicina e eu a imaginava nos médicos sem fronteiras salvando criancinhas na África. E agonia porque na minha cabeça eu estava engando Luana e isso simplesmente não era correto. Então quando eu cheguei em casa, naquela noite, a primeira coisa que fiz foi ligar para Luana e explicar o que havia acontecido.

– Não esquenta, cara, por mim você pode ir ficando com as duas. – Foi o que ela disse.

Não, você não entendeu. Eu não posso fazer isso. Eu simplesmente não consigo fazer isso. Desculpe.

E eu ouvia o velhinho guardião do graal em Indiana Jones me dizendo choose wisely, e eu desliguei o telefone me sentindo melhor por estar fazendo a coisa certa. Um mês depois Fiona me deu um pé na bunda e eu já não tinha cara pra voltar a ligar para Luana. Então o velhinho guardião deve ter dito he chose poorly, mas assim é a vida. Eu devia ter continuado ficando com as duas. Mas então não seria eu, Ben. Ainda era a época da inocência.

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